O texto preliminar do decreto presidencial que visa flexibilizar a posse de arma de fogo no Brasil já enumera regras que permitem mensurar qual é a parcela da população que será atingida pela mudança. Uma delas estipula que o cidadão que terá direito de usufruir das alterações precisa viver em locais com elevados índices de violência, ou seja, com taxas anuais de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes. Partindo deste pressuposto, é possível dizer que em Goiás a medida poderá ser aplicada em 177 municípios, cujos índices atendem o requisito estipulado, conforme a última edição do Atlas da Violência.
Promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o decreto está previsto para ser assinado e publicado na próxima semana. Pelo que já foi adiantado, ele trará regras ainda para permitir que as pessoas tenham até duas armas em casa e para facilitar para quem reside na zona rural ou que seja dono ou responsável por estabelecimentos comerciais. O impacto da medida, em âmbito nacional, assim como no Estado vai atingir a maioria dos municípios. No País, segundo a regra da taxa de homicídio, serão atingidas 3.179 cidades, o que corresponde a 57% do total. Em Goiás, as 177 que terão direito (veja quadro na página 13) correspondem a 71,9% dos municípios goianos.
Delegado aposentado da Polícia Federal (PF) e novo secretário de Estado da Segurança Pública, Rodney Miranda, é favorável à flexibilização das regras e alega o direito do cidadão de se defender diante das situações que possam surgir, especialmente na zona rural. Questionado sobre o critério adotado de permitir o uso de armamentos em cidades onde os índices de homicídios já são altos e as possíveis consequências disso, ele diz não acreditar que a proliferação de armas nestes locais vá contribuir para aumentar as taxas ainda mais. “É muito subjetivo a gente avaliar isso. Se compararmos, desde a nova lei do armamento e com a aplicação de uma restrição branca no Brasil, os índices cresceram muito de lá para cá. A restrição de nada adiantou para diminuir índices de homicídios e tirou uma possibilidade de defesa do cidadão”, diz ele.
Conforme dados do Atlas da Violência, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o índice de homicídios de Goiás registra uma curva crescente desde 2000, com algumas oscilações negativas no comparativo de ano para ano, mas confirmando a tendência histórica de aumento. A taxa que já foi de 22,81, em 2001, atingiu 46,24 em 2013 e fechou em 45,34, em 2016, quando foi publicada a última edição do estudo. Goiás possui hoje o oitavo maior índice entre os Estados e está acima da média nacional, que é de 30,33.
Sete cidades têm taxa superior a 90 homicídios
Dos 246 municípios goianos, sete se destacam com as maiores taxas de homicídios, quase três vezes mais que a média nacional. São cidades que, em 2016, quando foi feita a última edição do Atlas da Violência, no Brasil, registram índices acima dos 90 assassinatos para cada grupo de 100 mil pessoas. A líder do ranking é a cidade de Alvorada do Norte, que fica no Nordeste do Estado a 456 quilômetros de Goiânia e cujo índice registrado ficou em 104,68. O município teve uma população estimada, no ano passado, de 8.614 pessoas.
O ranking estadual é seguido por Cristianópolis, na segunda posição, com o índice de 99,14 homicídios para cada grupo de 100 mil pessoas. O município é um dos menores do Estado e possui apenas 2.968 habitantes, conforme a estimativa de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em terceiro, está a cidade de Cristalina, cujo território expressivo (um dos maiores do Estado) fica na divisa com Minas Gerais. O município do Leste goiano, que se destaca pela produção agrícola e que possui, juntamente com Paracatu e Unaí, cidades mineiras, a maior concentração de pivôs centrais da América da Latina, teve um índice de homicídios em 2016 de 95,70 para cada 100 mil habitantes. A população local foi estimada no ano passado em 57.759 pessoas.
As demais cidades cujos índices de homicídio ficaram acima dos 90 casos para cada grupo de 100 mil habitantes são: Cidade Ocidental (93,10), Bom Jesus de Goiás (93,09), Planaltina (92,99) e Teresina de Goiás (90,17). Duas destas ficam no Entorno do Distrito Federal (DF), onde as consequências da proximidade com Brasília, entre elas a violência, acabam sendo enfrentadas pelas cidades que ficam em volta. Planaltina teve uma população estimada em 2018 de 89.191 habitantes e Cidade Ocidental, apesar do pequeno território, uma população de 69.829 habitantes.
Assim como as demais cidades do entorno, elas vivem uma realidade de dependência econômica e precariedade em alguns setores, sendo classificadas muitas vezes como as chamadas cidades dormitório, onde as pessoas residem, mas trabalham em outros locais, principalmente nos municípios do DF. O índice de homicídio em 2016 foi alto, por exemplo, em Luziânia, cidade que também fica no entorno e que vem logo em seguida no ranking estadual, abaixo dos municípios que ficaram acima dos 90 casos registrados para cada grupo de 100 mil habitantes. A taxa de Luziânia ficou em 83,81.
As outras duas cidades, Bom Jesus e Teresina de Goiás, ficam em dois extremos do Estado. Bom Jesus, a 207 quilômetros de Goiânia, fica no Sul de Goiás e tem uma população estimada em 24.776 habitantes. A pequena Teresina, que fica no Nordeste do Estado, a 483 Km da capital, tem apenas 3.416 habitantes.
3 PERGUNTAS PARA RODNEY MIRANDA
Secretário de Estado de Segurança Pública defende possibilidade de defesa da população, embora reconheça que seja impossível garantir que o uso da arma de fogo seja consciente
1 - Qual é a sua posição sobre a flexibilização do uso de arma de fogo no Brasil?
Concordo com a flexibilização. As regras atuais estão praticamente impossíveis de serem correspondidas, mesmo para quem precisa de arma de fogo para se defender. Existe um número interminável de regras e requisitos, e, quando cumpridos, ainda fica a cargo da interpretação do delegado da Polícia Federal conceder ou não.
Concordo com a flexibilização. As regras atuais estão praticamente impossíveis de serem correspondidas, mesmo para quem precisa de arma de fogo para se defender. Existe um número interminável de regras e requisitos, e, quando cumpridos, ainda fica a cargo da interpretação do delegado da Polícia Federal conceder ou não.
2 - A publicação do decreto e a flexibilização das possibilidades de posse de arma vão mudar alguma coisa na atuação das forças de segurança em Goiás?
Não, a fiscalização será a mesma que é feita hoje, com atuação do Exército e autorização concedida pela Polícia Federal. A postura dos demais órgãos vai continuar como já ocorre. Não acredito que a flexibilização vai contribuir com o aumento dos índices de violência. Vai, na verdade, dar mais chance de defesa. Hoje, quem comete crimes tem livre acesso à arma de fogo em tudo que é canto. E mesmo que não tenha capacidade de usar uma arma, sai por aí dando tiro a torto e à direito e provocando o mal.
Não, a fiscalização será a mesma que é feita hoje, com atuação do Exército e autorização concedida pela Polícia Federal. A postura dos demais órgãos vai continuar como já ocorre. Não acredito que a flexibilização vai contribuir com o aumento dos índices de violência. Vai, na verdade, dar mais chance de defesa. Hoje, quem comete crimes tem livre acesso à arma de fogo em tudo que é canto. E mesmo que não tenha capacidade de usar uma arma, sai por aí dando tiro a torto e à direito e provocando o mal.
3 - Qual é a garantia de que as pessoas que vão ter o uso facilitado de uma arma de fogo o farão de forma consciente?
Não tem como garantir que o uso seja consciente, mas eu penso que quem vai atrás para se regularizar ou disposto a enfrentar a burocracia e cumprir todos os requisitos, certamente, faz o uso correto da arma. Quem quer fazer uso errado da arma de fogo não vai se dispor a seguir todo o trâmite. Para mim, não muda a situação. A única coisa que muda é que o cidadão de bem vai ter uma chance de se defender contra alguém que queira invadir a sua casa ou propriedade.
Não tem como garantir que o uso seja consciente, mas eu penso que quem vai atrás para se regularizar ou disposto a enfrentar a burocracia e cumprir todos os requisitos, certamente, faz o uso correto da arma. Quem quer fazer uso errado da arma de fogo não vai se dispor a seguir todo o trâmite. Para mim, não muda a situação. A única coisa que muda é que o cidadão de bem vai ter uma chance de se defender contra alguém que queira invadir a sua casa ou propriedade.
Impacto abrangente
Três em cada quatro brasileiros poderão ser incluídos no decreto que o governo Jair Bolsonaro está preparando para facilitar a posse de arma de fogo. Levantamento com base em dados do Ministério da Saúde mostra que, nesse caso, a medida atingiria 62% dos municípios do País, onde vivem 159,8 milhões de pessoas (76% da população brasileira).
A Polícia Federal, além de documentos e exames psicológicos e de capacidade técnica, exige hoje que o cidadão apresente justificativa de “efetiva necessidade” para a posse de arma - o que permite ter o equipamento dentro de casa ou de estabelecimento comercial. O decreto de Bolsonaro deverá dizer o que objetivamente seria uma justificativa aceitável. Uma das ideias em estudo, segundo revelou o próprio presidente, seria afrouxar essa “efetiva necessidade” nestas cidades violentas. Assim, o cidadão que requerer na PF a arma nesses lugares, em tese, veria o processo andar mais rápido.
A maior parte dos Estados do Norte e Nordeste, por exemplo, veria uma grande parcela das suas cidades ser afetada. Em Pernambuco, por exemplo, 95,7% dos 185 municípios poderão ter acesso facilitado a armas. No Acre (95,4%), Alagoas (92%), Pará (90%), Sergipe (89%), Ceará (88,5%) e Amapá (87,5%), o porcentual também é elevado.
As cidades que poderão ter as regras alteradas, além de compreender parcela significativa da população, concentram 94% dos homicídios. Na outra ponta, São Paulo (36,1%), Piauí (39,2%) e Santa Catarina (40%) têm a menor proporção de cidades violentas. A cidade de São Paulo seria a única capital a não ser englobada pela medida.
A reportagem analisou dados preliminares referentes a 2017 registrados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde (MS). Esse registro engloba várias causas de mortes intencionais, como arma de fogo, arma branca (faca) e agressões corpo a corpo. O dado, porém, não inclui mortes causadas em ações policiais, que em alguns Estados, como São Paulo e Rio, podem ser significativas ante o total de homicídios. Como o Ministério da Justiça não produz dado atualizado sobre violência, a expectativa é de que Bolsonaro se baseie nos dados do MS. Com eles, o Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) produz o Atlas da Violência, que também poderá ser usado. (Agência Estado)
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