quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Onde dormem os homens que mudaram Goiás


Os cemitérios de Goiás guardam em suas sepulturas grandes ícones da política, cultura e sociedade. É o caminho natural de todos. Raros os que escaparam das terras fofas do Cerrado como última morada. E o melhor exemplo é Bernardo Elis, que foi levado para o Rio de Janeiro.
Ingrato, o escritor pediu para ser sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras (ABL), no cemitério São João Batista. Motivo: alegou que os goianos não lhe davam valor. Foi cumprido o desejo.
O autor de “Ermos e Gerais” e “O Tronco” continua grande, mas nos dias 2 de novembro, como hoje, é pouco lembrado, de fato, pelos que o amaram.
Mesmo sem Elis, no Dia de Finados, os grandes nomes de Goiás costumam atrair olhares curiosos dos que visitam os cemitérios. Histórias e a beleza das esculturas – e narrativas de vida – encantam.
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Fábio Nasser, Tanila Romana e Consuelo Nasser no mesmo cemitério: apesar da morte, imagens revelam beleza plástica

DM foi até os campos santos da capital em busca da arte funerária e das recordações destes grandes homens da história goiana.
Ao contrário de países como Estados Unidos, onde os cemitérios tornaram-se espaços de visitação, por aqui apenas no dia 2/11 é possível sentir de perto o que se faz, por exemplo, no Lafayette, de Nova Orleans, ou no Père-Lachaise, de Paris. Por lá, adora-se a beleza da morte. Aqui ainda choramos.
Mas também temos história e homens valorosos. Cada sepultura é um endereço da memória dos povos do Planalto Central. Alguns jazigos marcam o tempo ao tornar-se a última morada das antenas da raça.
É o caso do Cemitério Santana, que guarda epopeias. Encontramos nele o túmulo de Pedro Ludovico (1891-1970), o médico gênio que falava tão bem francês. E que por acaso teve um rompante de construir uma cidade no meio do Brasil.
A lápide é a síntese da história: “Um homem que fez tudo pelo progresso de Goiás construindo Goiânia”.
Sua morada é plástica e dramática: estão lá seus familiares. Uma estátua em que Jesus aparece de cabeça baixa  [em movimento] retrata a religiosidade da morte.
Dona Gercina, Antônio Borges, Pedro Ludovico Estivallet Teixeira, Josephina Ludovico, Paulo Borges Teixeira ficam ao lado do herói.
Quantas histórias moram ali naquela matéria que outrora teve vida e mexeu com todo o sistema nervoso do Estado? Hoje,  mais do que nunca, quem do pó veio ao pó voltou, cumprindo uma sentença bíblica e da vida.
A lápide é a síntese da história: “Um homem que fez tudo pelo progresso de Goiás construindo Goiânia”.
Quem passeia pelas artérias do cemitério percebe outros ícones, como Alfredo Nasser (foto), ex-senador de Goiás considerado um homem de moral irretocável.
Nasser foi ministro e um dos maiores oradores da política brasileira, responsável por deixar legados impenetráveis.
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Onde mora Pedro Ludovico e família: lápide fala em homem que que fez tudo pelo progresso de Goiás “construindo Goiânia” (Foto: André Costa)

No mesmo local, permanece o ‘neto’, Fábio Nasser, filho de Consuelo Nasser, jornalista e fundadora do Diário da Manhã, que foi criada pelo tio Alfredo.
Ela, a mãe, pioneira do feminismo goiano, também está no local, homenageada com a frase “Era uma revolução nos sonhos, nas ideias, nas lutas, no trabalho, no povo, na família e em si mesma”.
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“Chacrinha de Goiás”, o apresentador coronel Hipopota, marca o início da apresentação televisiva em Goiás: fama na telinha (Foto: André Costa)
Outro ‘imortal’ no dia 2 é o coronel Hipopota, considerado o “Chacrinha de Goiás” e que por anos comandou Goiânia com o programa “República Livre do Cerradão”.
E se as ‘moradas dos mortos’ guardam goianos ilustres, um dos maiores ‘goianienses’ foi seu prefeito Venerando de Freitas Borges (1907-1994).  A frase do jazigo é interpelativa: “Silêncio! Não perturbes a paz de quem tanto sonhou na vida”.

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Venerando Freitas, gestor é a memória dos primeiros anos de Goiânia e da ousadia que marcou aqueles tempos (Foto: André Costa)

Outros tantos dormem em Goiás, como os cantores populares Leandro (da dupla com Leonardo) e Cristiano Araújo, que ‘descansam’ no cemitério Jardim das Palmeiras.
PARQUE
Considerada a última moradia dos mais humildes, o cemitério Parque, tocado pela própria Prefeitura de Goiânia, exemplo da falta de democracia na cidade, tem também grandes, mas a divisão das classes sociais quis que fossem em menor quantidade.
Está lá, por exemplo, o eterno poeta goiano Pio Vargas, considerado um cometa da literatura regional. Ele chegou, gritou e foi embora.
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Cemitério Parque recebe manutenção da Prefeitura e tornou-se morada de muitos indigentes. Mas é símbolo da resistência dos mais pobres frente uma cidade pouco democrática
Outra referência no Dia de Finados é Leide das Neves, a menina que morreu em 1987 após entrar em contato com o césio 137.
A criança faleceu aos seis anos. Em seu enterro enfrentou a ira dos homens da política, que se debateram para expulsar seu frágil corpo da Capital.
Quis Deus colocá-la no mesmo cemitério da resistência e de Pio Vargas, que mostrou em vida como não se separa humanos: “Inverti a ordem. Já não saio por aí a devorar compromissos, tomei posse no governo de mim mesmo e derrotei os meus omissos. Venci as batalhas de ter que estar sempre por perto”.
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