Pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgada nesta quarta (8), Dia Internacional da Mulher, mostra que, no ano passado, 503 mulheres foram vítimas de agressão física a cada hora no país. Isso representa 4,4 milhões de brasileiras (9% do total das maiores de 16 anos). Se forem contabilizadas as agressões verbais, o índice de mulheres que se dizem vítimas de algum tipo de agressão em 2016 sobe para 29%.
A pesquisa mostra que 9% das entrevistadas relatam ter levado chutes, empurrões ou batidas; 10% dizem ter sofrido ameaças de apanhar.
Além disso, 22% afirmam ter recebido insultos e xingamentos ou terem sido alvo de humilhações (12 milhões) e 10% (5 milhões) ter sofrido ameaça de violência física. Há ainda casos relatados mais graves, como ameaças com facas ou armas de fogo (4%), lesão por algum objetivo atirado (4%) e espancamento ou tentativa de estrangulamento (3%).
Em novembro de 2016, uma dona de casa de 53 anos morreu na Santa Casa de Araçatuba, interior de São Paulo, após ter sido espancada pelo marido, segundo a polícia.
Roseli Lopes vivia havia quatro anos com o suspeito e, segundo informações de familiares à polícia, ela sempre apanhava dele. Segundo os familiares, Roseli tinha medo de denunciar e, por isso, inventava desculpas toda vez que era agredida. O cunhado da vítima, Antônio Aparecido dos Santos, diz que ele sempre foi agressivo. "Eles sempre brigavam, várias vezes ela aparecia riscada de faca, apanhava de facão, porque ela contava para a gente."
Para a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, a violência é um "mecanismo de resolução de conflitos" no país.
"Somos uma sociedade em que a violência muitas vezes regula as relações íntimas, que aposta na violência como um mecanismo de resolução de conflitos. Por isso números tão altos de mulheres que sofrem violência física, porque isso faz parte do cotidiano e desde muito cedo" (Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública)
Assédio na rua e no transporte público
Segundo o Datafolha, 40% das mulheres com mais de 16 anos sofreram assédio dos mais variados tipos em 2016: 20,4 milhões (36%) receberam comentários desrespeitosos ao andar na rua; 5,2 milhões de mulheres foram assediadas fisicamente em transporte público (10,4%) e 2,2 milhões foram agarradas ou beijadas sem o seu consentimento (5%). Adolescentes e jovens de 16 a 24 anos e mulheres negras são as principais vítimas.
"Sobre o assédio no transporte público, a lógica é a mesma. Quando existe a tolerância social em relação a alguma prática, não existe constrangimento em exercê-la. Há tolerância em relação ao assédio, o que permite que essa violência seja tão rotineira ", afirma Samira. "E as respostas públicas para isso têm sido muito frágeis. Há segregação da mulher do espaço público, e não existe uma transformação da cultura mostrando ao homem que o corpo da mulher é privado e que ele não tem o direito de tocá-lo", afirma Samira.
Professora do programa de pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da UFBA, Maíra Kubik Mano diz que os dados demonstram a desigualdade persistente na sociedade brasileira. "O corpo da mulher continua sendo passível de ser agredido, porque é socialmente considerado público. Faz parte de uma lógica da divisão de tarefas, de trabalho. As mulheres não só vendem a força de trabalho, como fazem trabalho doméstico, cuidam das crianças, dos idosos. Mas isso não é contabilizado como trabalho. É como se essas horas fossem doadas para a comunidade. Isso dá uma sensação de que o corpo não pertence a elas, de que é um corpo público. E se é publico, pode ser apropriado, inclusive por meio da violência. As mulheres ocupam uma posição inferior em termos de hierarquias sociais e a violência é um modo de manter a mulher nessa posição", diz.
"Há uma sensação de que o corpo não pertence a elas, de que é um corpo público. E se é publico, pode ser apropriado, inclusive por meio da violência. As mulheres ocupam uma posição inferior em termos de hierarquias sociais e a violência é um modo de manter a mulher nessa posição" (Maíra Kubik Mano, professora da UFBA)
Segundo as entrevistadas, 61% dos agressores são conhecidos. A pesquisa mostra que 19% apontam o próprio cônjuge, companheiro ou namorado e outras 16%, o ex. Parentes como irmãos (9%), amigos (8%), pai ou mãe (8%), vizinhos (4%) e colegas de trabalho (3%) também são citados.
É o caso da vendedora Sandra José de Almeida, de 43 anos, que foi agredida pelo marido, internada e depois voltou a apanhar na Santa Casa de São José do Rio Preto (SP), em junho de 2016. “Essa noite eu vi a morte de perto. Ele entrou no quarto e meu deu um soco nos olhos”, disse a vítima.
A maior parte das agressões ocorre em casa (43%). A rua (39%), o trabalho (5%) e a balada (5%) aparecem em seguida.
"Não à toa a maior parte dos agressores são conhecidos. Em geral começa em casa, com o pai ou o padrasto, depois passa a ser o namorado, o companheiro, o ex-companheiro. E, em meio a este cenário, convivemos com um padrão de dominação masculina que não apenas define o uso dos espaços públicos e privados, mas que define o que é permitido ou não. Quando se trata do uso da violência por parte do homem para regulação das relações, isso é socialmente tolerável. É aquela ideia de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher porque são conflitos que devem ser resolvidos na esfera privada, ainda que seja de forma abusiva", explica Samira.
Segundo o Datafolha, 52% das mulheres não fizeram nada após a agressão. Entre as que tomaram alguma atitude, 11% denunciaram o agressor em uma Delegacia da Mulher e 10%, em uma delegacia comum. A pesquisa mostra que 3% ligaram para a PM e 1% para o Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher).
Boa parte delas, no entanto, ainda recorre a conhecidos na hora de buscar ajuda: 13% procuraram a família e 12%, amigos.
Para Maíra Kubik Mano, da UFBA, é preciso um esforço de todos para mudar essa situação. Ela cita, no entanto, contradições por parte do poder público. "Se a gente teve a aprovação da Lei do Feminicídio por um lado, na mesma época houve a retirada das discussões de gênero e sexualidade do Plano Nacional de Educação. Então há a aprovação de uma lei punitiva, para uma situação que já aconteceu, mas para algo preventivo, um processo educativo, é retirada a possibilidade do debate. Então o Legislativo atua de forma contraditória, seguindo uma lógica punitivista, que não resolve se a gente está pensando em um processo mais amplo de civilização."
"Os movimentos feministas nos últimos anos têm vivido uma nova fase, puxados por mulheres jovens articuladas via internet, que têm um potencial muito grande de transformação social. Então é preciso trabalhar de maneira articulada, os movimentos sociais, com o estado, o Legislativo, o Judiciário, para juntos conseguirmos sair dessa situação", afirma. "Mas estou bastante pessimista em relação a isso."
Perfil
Segundo o estudo, há diferenças significativas no índice de vitimização entre as variáveis idade, instrução, renda familiar mensal, classe econômica, cor e natureza do município. “O índice é mais alto entre as mais jovens (70%) que entre as mais velhas (10%), entre as mais instruídas (52%) que entre as menos instruídas (21%), entre as mais ricas (52%) que entre as mais pobres (37%), entre as que pertencem às classes A/B (49%) que entre as que pertencem às classes D/E (34%), entre as que se auto intitularam como pretas (47%) que entre as brancas (35%) e entre as moradoras de regiões metropolitanas (48%) que entre as moradoras do interior (35%)", informa o estudo.
A pesquisa teve apoio do governo do Canadá e do Instituto Avon e foi feita entre os dias 9 e 11 de fevereiro deste ano em 130 municípios, incluindo capitais e cidades do interior, em todas as regiões do país. Foram ouvidas 2.073 pessoas – 1.051 mulheres, sendo que 833 aceitaram responder um módulo de autopreenchimento. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, para a amostra nacional, e de 3 pontos para a amostra de mulheres participantes do módulo de autopreenchimento.
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