A Universidade Estadual de Goiás completa 20 anos em 2019. Como presente, a instituição ganhou um amargo e restrito orçamento, ofuscado pela crise financeira que assola o governo estadual. O governador Ronaldo Caiado (DEM) reduziu em 20% o orçamento da universidade no início deste ano, ampliando cortes que haviam sido feitos entre novembro e dezembro de 2018, no governo de José Eliton (PSDB). As despesas previstas não se ajustam à realidade da verba disponível e para se adequar a realidade, até o fim do ano, há promessas de que “cabeças rolarão”.
O primeiro abalo veio do topo da pirâmide. No último dia 27, a Controladoria Geral do Estado (CGE) abriu uma investigação para apurar supostas nomeações de familiares e amigos do ex-reitor da UEG Haroldo Reimer para cargos no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). A pressão das acusações, somada aos problemas da instituição atribuídos à sua gestão, levaram o reitor a pedir o afastamento de seu cargo, a fim de resguardar a autonomia universitária.
Em documento assinado em 7 de janeiro, Haroldo Reimer afirmou que a instituição enfrenta sua pior crise, que a revisão orçamentária da Universidade já havia sido feita e a única solução para o problema seria a suplementação da proposta. Ainda segundo a previsão de Reimer, o orçamento inviabiliza a conclusão do ano letivo da UEG, que teria capacidade de funcionar até julho ou agosto, no máximo.
A secretária de Economia do governo de Goiás, a economista Cristiane Schmidt, afirma que a pasta entregou “mais do que o repasse constitucional para a universidade” e que a crise financeira da instituição pode ser resultado de sua gestão administrativa. De perto, a raiz da crise parece ser maior e mais arraigada do que aparenta o jovem corpo da instituição.
A comemoração dos seus 20 anos — “com problemas pós-balzaquianos”, ironiza uma professora — promete não passar de matérias especiais para o site. Na reitoria, não há nenhuma data prevista no calendário para celebrar o momento. Sobre as duas décadas de sua existência, a UEG lançou, até o momento, apenas um selo comemorativo, escolhendo a semente de dente-de-leão para destacar a principal marca da universidade, a “interiorização”. “Ainda bem que não escolheram uma cruz”, sublinha um professor.
Assim como a planta, a UEG se espalhou, ao longo dos anos, ao sabor dos ventos políticos mais do que técnicos, crescendo vertiginosamente. O que inicialmente pode ser visto como ponto positivo, a disseminação do ensino universitário, é também motivo de preocupação para a sustentabilidade financeira da universidade, que, volta-e-meia, enfrenta problemas sérios e precisa enfrentar contingenciamentos e corte de verbas do Estado. Neste meio tempo, um cabo de guerra desorienta o desenvolvimento da instituição, que sofre entre encolhimentos e expansões questionáveis. Entre culpados e responsáveis, uma parcela de culpa é lançada aos quatro ventos.
Tem mais campus do que a USP
Na quinta-feira, 11, os alunos do campus de Anápolis paralisaram as atividades das duas sedes na cidade com o objetivo de chamar a atenção para o sucateamento da infraestrutura local. O governador do Estado, Ronaldo Caiado, durante coletiva de imprensa, na mesma data, em Anápolis, tentou isentar o governo de qualquer responsabilidade a propósito da crise.
“Autonomia universitária é norma constitucional. A autonomia é da universidade. O que o Estado tem que fazer é cumprir a constituição e repassar 2% do ICMS. Tenho feito todo o repasse, todos os meses, e acima de 2%. Então, o problema da UEG é uma questão de gestão”, pontuou o governador. A UEG estaria gastando mais do que o orçamento prevê.
Ronaldo Caiado comparou a situação à mesada que um pai dá ao seu filho para gastar no mês e tratou a crise como um descontrole de gastos da instituição.
“Se você recebe a mesada do seu pai para gastar no decorrer do mês, mas gasta em 10 dias, então o problema é que não soube controlar seu dinheiro”, disse o governador. Ele lembrou que a história de probidade da UEG é complexa. “Se não me engano, dois ex-reitores já foram presos e um está respondendo processo. Quer dizer, não é uma ação [errada] do governo, que realiza o pagamento da parcela todo mês. Nunca atrasei um dia e nunca depositei menos de 2% ou 2,1%. Então, sobre esse assunto, o Estado não é responsável por essa situação que foi criada”, reafirmou Ronaldo Caiado.
O governador também conectou a situação de penúria da UEG à expansão descontrolada da universidade. “Não é só no Brasil, não existe no mundo uma universidade que tenha 42 campus. A USP, em São Paulo, deve ter no máximo 12. Não existe nenhuma universidade no mundo que tenha 235 unidades. […] Nós não podemos fazer de conta que vamos dar um curso. Para formar uma pessoa você tem que oferecer qualidade de ensino. Como está classificada em 152º lugar no ranking nacional, fica evidente que a UEG precisa fazer uma discussão interna e remodelar sua estrutura de acordo com que a Constituição determina e que está sendo paga. A universidade precisa buscar um eixo correto para se desenvolver.”
A defesa da UEG
Por um lado, a UEG tenta honrar sua marca de “interiorização”. Por outro, há uma série de considerações a ser feitas em relação à logística regional de cada sede, que pode explicar parte do comprometimento da verba e deixar à mercê jovens profissionais formados.
Um exemplo é o curso de História oferecido em 11 sedes distintas da universidade. Quantos profissionais formados nesta área cada cidade é capaz de abraçar? Qual a realidade empregatícia de cada região? A demanda não parece ir ao encontro da realidade do mercado, o que leva a frustração de profissionais, despesas insólitas e vacância de empregos, que não encontram profissionais qualificados para a necessidade real de cada local.
A UEG se defendeu na quinta-feira, 11, reafirmando a necessidade da suplementação orçamentária como única solução viável para a manutenção da universidade. Entre as despesas de custeio estão contas de água, energia, internet, segurança, transporte, além de bolsas e benefícios aos estudantes.
Por meio de nota, a Reitoria da UEG pontuou que “tem trabalhado para viabilizar a suplementação orçamentária necessária a seu funcionamento”, e que, na última semana, o governo realizou o repasse suplementar de R$ 6 milhões para o custeio administrativo inicial. “Além disso, hoje já foi depositada uma parcela das bolsas em atraso e, nesta semana, também foram repassados aos campus os valores referentes aos fundos rotativos.”
A UEG também destacou que a ameaça de suspensão do ano letivo a partir de agosto está dentro da perspectiva de um cenário sem suplementação. Como os diálogos e negociações com o governo estão em andamento, a instituição indica que o calendário continuará mediante repasses suplementares ao longo do ano. “Acreditamos que o interesse por uma UEG melhor é mútuo e estamos trabalhando diuturnamente para juntos superarmos esse momento delicado.”
Não tem papel pra imprimir prova
Presente em 41 campus de 39 cidades, a universidade abarca 1690 professores e 26 mil estudantes, que se dividem entre 143 cursos de graduação permanente, 14 cursos de mestrados, dois cursos de doutorado, 59 especializações, além de três cursos com 67 turmas na graduação do UEG em Rede ( distância), cinco cursos com 36 turmas na graduação do Cear (a distância) e quatro cursos ofertados em parceria com municípios fora do campus da instituição.
A arquiteta e professora do curso de Engenharia Civil Maria Luísa Gomes Adorno destaca a relevância da instituição para campo social, econômico e político da sociedade goiana e ressalta a necessidade das verbas para o desenvolvimento de projetos de pesquisa, extensão e participação de congressos.
“Nós temos muito professores que estão desenvolvendo projetos interessantíssimos, de alta qualidade. As verbas são uma ajuda de custo, elas não cobrem todas as despesas, apenas ajudam os professores e os alunos, que também realizam projetos importantes. É na pesquisa que podemos ver o desenvolvimento da universidade, é nesses projetos que as cabeças pensantes estão buscando soluções. É na pesquisa que a comunidade é inserida na instituição”, ressalta Maria Luíza.
A professora resume o problema da UEG pela “insegurança financeira”, responsável por gerar “uma grande instabilidade emocional entre os estudantes, principalmente”. A crise, segundo relata, é palpável dentro das instalações e pode ser observada na falta de sabonetes e papel higiênico.
“Esses dias, o pessoal do café me disse: ‘Professora, daqui uns dias nós não teremos café, porque o que temos dá para poucos dias e não foi feita licitação’. Além disso, as cadeiras estão quebradas, rasgadas e sem manutenção. Também há falta de papel, tinta para impressora. Teve professor que teve de copiar a prova no quadro para os alunos porque não tinha como imprimi-la”, afirma Maria Luíza.
A professora faz referência a outro professor da instituição, o economista Júlio Paschoal, que na terça-feira, 10, publicou um desabafo em seu perfil do Facebook sob o título de “Calamidade pública”. O texto é acompanhado de uma imagem de uma das provas aplicadas aos alunos do curso de Economia da instituição. “Não há papel, toner, pincel, serviços para xérox dentre outros materiais de expediente para que a universidade cumpra sua atividade perante a sociedade. […] Os professores e eu tivemos que passar a prova no quadro, para que pudesse ser aplicada, causando transtornos a todos. Comuniquei ao governador, o estado por qual passa a universidade, e de modo especial, o Campus Jundiaí em Anápolis, no qual leciono desde 2004”, denunciou Júlio Paschoal.
Júlio Paschoal pediu um “olhar diferenciado por parte do governo” e ponderou que, “se no passado vários campos foram abertos para atender questões meramente políticas”, eles deveriam ser fechados com a “acuidade necessária e não por revanchismo ou pelo município ser contrário ao atual governo”.
O professor dos cursos de História e de Arquitetura e Urbanismo Ademir Luiz, que está na instituição desde 2002, compartilha sua vivência dentro da Universidade ao longo de 17 anos. De acordo com sua observação, “todos os anos, ou a cada começo de semestre”, explode uma “notícia bombástica sobre a UEG”, seja administrativa ou pedagógica, e que a instabilidade gera uma sensação de risco iminente, que parece ser capaz de destruir tudo que já foi construído.
Na visão de Ademir Luiz, um pós-doutor que é especialista em história medieval, o grande problema da UEG pode ser explicado pela “forma como a Universidade se desenha dentro do jogo de poder do Estado”.
“Nunca sabemos o que está por vir. A instabilidade é duplamente negativa, tanto para a imagem da Universidade, como para o desenvolvimento dos trabalhos. O mais importante para a UEG no momento é garantir sua independência e manutenção. Isso se faz repassando para a instituição o que ela tem de direito na ‘letra’ da lei. Primeiro era 3% do orçamento. Depois caiu para 2%. Agora é menos de meio por cento. Como é possível fazer planejamento estratégico sem saber exatamente o que se tem em caixa?”, questiona Ademir Luiz.
Para o professor, apenas essa “mínima certeza” poderá garantir o planejamento, estabilização e expansão da UEG. “Esse é o primeiro passo. Garantir, se não os 3%, digamos 2%”, propõe. Frise-se que o governador Ronaldo Caiado garante que está pouco mais de 2%.
Autonomia
A Secretária de Educação, Fátima Gavioli, reitera a independência da Universidade e diz que a pasta não responde pelos problemas e crises da instituição.
O reitor interino, Ivano Alessandro Devilla, afirmou que a nota publicada na quinta-feira, 11, pela UEG corrobora sua opinião acerca da crise da universidade.
O reitor afastado, Haroldo Reimer, não quis se manifestar. Ele alegou que os eventos que levaram ao seu afastamento foram “traumáticos” e que outros interlocutores deveriam falar pela instituição.
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