A prefeitura de Itapuranga, município de 30 mil habitantes localizado no Vale do São Patrício, firmou em 2018 um contrato com o Governo Estadual no valor de R$ 2 milhões. Por meio do programa “Goiás na Frente”, o município receberia o valor dividido em dez parcelas para pavimentar três bairros. Entretanto, o programa foi paralisado e o prefeito Daves Soares (PSD) ficou sabendo por meio da imprensa que a cidade não receberia o restante das parcelas. Ele escreveu ofícios e cobrou publicamente o secretário de governo, Ernesto Roller, a dar explicações, mas não foi respondido.
A prefeitura já havia recebido quatro parcelas, totalizando R$ 800 mil, e conseguiu pavimentar um dos bairros com a verba. Os outros dois, entretanto, ficaram com obras interrompidas e as chuvas destruíram o trabalho iniciado. “Não fomos oficialmente comunicados da interrupção do programa. Assinamos um contrato com ajustamento bilateral, o Estado não pode desfazer o convênio unilateralmente agora, rescindindo o contrato. É preciso fazer um encontro das contas com contrapartidas”, diz Daves Soares.
O único diálogo do Governo Estadual com o município aconteceu no início de 2019, quando foi solicitado que Daves Soares fizesse a manutenção de rodovias estaduais. “Eu me dispus a ajudar”, disse o prefeito, “tenho as máquinas, o pessoal, alguma verba. Eu forneceria tudo desde que o Estado doasse a massa asfáltica. Mas o Estado não doou e o trecho de Itapuranga até Itaberaí está todo esburacado”.
Muitos outros municípios goianos vivem situação semelhante. Mário José Salles (PSDB), prefeito de Itapaci, também no Vale do São Patrício, explicou que há uma unidade do Vapt Vupt concluída na cidade, mas inoperante. A prefeitura qualificou funcionários e ainda realiza manutenção do edifício e paga vigias para guardar a estrutura, mas não tem resposta da Secretaria de Estado da Administração (Sead) acerca do assunto.
O prefeito explicou: “Temos posicionamento do Estado que o Vapt Vupt vai abrir, mas não sabemos se agora ou no ano que vem. Não aceitaram os funcionários do município, disseram que iriam contratar eles mesmos, mas isso não foi feito e até hoje não sabemos o que acontecerá”. O convênio de Itapaci com o Estado tem validade até setembro de 2020, mas atualmente não há decreto que normatize o programa. Até lá, é impossível desistir da obra e reaver a verba investida.
Reivindicações
Outros prefeitos confirmaram que foram procurados pela Secretaria de Governo para auxiliar a administração estadual. Carlos Alberto de Andrade (Carlão da Fox, PSDB), prefeito de Goianira, assinou um convênio na Goinfra para que seu município pudesse realizar manutenção em rodovias estaduais. Rafaell Mello (PSDB), prefeito de Ceres, foi solicitado para que pagasse o aluguel da unidade do Vapt Vupt. Issy Quinan (PP), prefeito de Vianópolis, foi procurado para disponibilizar servidores para trabalhar em órgãos estaduais dentro de seu município.
Os prefeitos têm duas reivindicações principais: primeiro, querem receber os repasses do Estado referentes à saúde e ao transporte escolar. Desde 2018 não são realizadas as transferências constitucionais dos Programas de Saúde da Família (PSF) e há cinco meses as parcelas do Transporte Escolar não vêm. Com a queda na destinação do ICMS, que flutua naturalmente ao longo do ano, as cidades têm de encontrar outras fontes de renda.
É consenso que os repasses obrigatórios por lei são insuficientes para o crescimento dos municípios, que historicamente confiam em verbas de emendas parlamentares e em convênios com o Estado. Por isso, a segunda reivindicação é a abertura do secretário Ernesto Roller e do governador Ronaldo Caiado (DEM) para o diálogo; querem saber o que será dos convênios de programas como o Goiás na Frente.
“Fomos solicitados a dar um voto de confiança”, explicou Carlão da Fox, prefeito de Goianira. “Queremos saber só até quando teremos de aguardar, não podemos ficar sem resposta eternamente. Sabemos que essa dificuldade não é só de Goiás, é do Brasil inteiro. Damos essa oportunidade, mas isso tem de ter data para terminar”. Mário José Salles, de Itapaci, corroborou: “Não estamos entendendo o que o Governo quer, qual rumo quer tomar”.
Dívidas herdadas
Prefeitos aguardavam para a semana do dia 14 o decreto que deve explicitar diretrizes do cancelamento do Goiás na Frente, ou do seu prosseguimento. Segundo nota da Secretaria de Estado do Governo (Segov), o governo deve publicar ainda nos próximos dias a normatização do programa. A secretaria afirma estar analisando as demandas das prefeituras de forma individual e através da Associação Goiana dos Municípios (AGM) e Federação Goiana dos Municípios (FGM).
A Segov justifica que não há recursos em caixa para novos repasses e que o valor total dos convênios é de R$ 500 milhões, dos quais apenas cerca de 30% foram pagos pela administração anterior. De 395 convênios, 114 foram prorrogados com base em lei que permite ao Estado estender o prazo de vigência quando houver atraso na liberação de recursos.
A secretaria informou que até o momento oito municípios formalizaram o pedido de denúncia dos contratos firmados por meio do Goiás na Frente. Os municípios de Cachoeira Alta, Campestre de Goiás, Ipiranga, Hidrolândia e Maurilândia pediram a denúncia para tocar a obra com verbas próprias. Já os municípios de Campos Belos, Sanclerlândia e Cumari desistiram de executar as obras e aguardam o decreto para poder devolver ao Estado a quantia total de R$ 1.425.336,50.
Sobre a falta de comunicação entre prefeitos e Estado, o órgão afirmou: “Ernesto Roller sempre esteve aberto ao diálogo com os gestores, no sentido de receber e encaminhar pedidos, assim como sugestões. No mês passado, ele comandou uma rodada de reuniões com os prefeitos, divididos em grupos. Nos encontros, foi apresentada a situação financeira do governo, além de perspectivas futuras”.
Já a Sead informou a respeito dos Vapt Vupts que está revendo contratos de parcerias com municípios para o funcionamento das unidades. A secretaria afirmou que não propôs o aumento da participação dos municípios, mas sim a revisão de contratos considerados exorbitantes e excessivamente onerosos ao estado. A justificativa dada foi de que os convênios de cessão de pessoal, limpeza e aluguel de prédios estavam desatualizados e poderiam gerar ações de improbidade aos gestores.
Voto de confiança
Diversos municípios previram o início difícil de governo e se prepararam para manter funcionando serviços essenciais com verbas próprias. As cidades que continuam com serviços de saúde e transporte escolar funcionando o fazem com a gordura que conseguiram acumular no passado. Em Itapuranga, a prefeitura funciona apenas em meio expediente desde setembro de 2018, além de ter reduzido cargos comissionados. Trindade é outra cidade que enxugou a máquina para manter serviços essenciais funcionando.
O prefeito Jânio Darrot (PSDB) conta que se preparou para manter a folha em dia por ter imaginado um começo de ano árido. “Não esperava mesmo que o Governo iniciaria o mandato prestigiando os municípios. Temos uma relação republicana de interação com a União e o Governo, não importando que somos de partidos opostos. Tudo que eu puder fazer para que órgãos estaduais funcionem bem eu faço. Mais importante é fornecer os serviços à população”.
Issy Quinan, prefeito de Vianópolis, é outro que disse tentar ser compreensivo. “O Governo atual está há pouco mais de três meses no poder. Não é nesse espaço de tempo que se resolvem as coisas. O problema é que até agora nossa relação inexiste. Os municípios têm se desdobrado para atuar de maneira criativa, sendo rigorosos nas arrecadações e não prescindindo das receitas do ICMS e IPTU”, diz
Diálogo
A Associação Goiana dos Municípios (AGM), uma das duas entidades representativas das cidades de Goiás, afirmou por meio do assessor de imprensa que percebe que o Governo Estadual vem tentando quitar repasses atrasados da gestão passada. A associação tem feito reuniões com secretários para informá-los das demandas municipalistas, mas não ofereceu respostas a curto prazo. Apesar da insatisfação de seus representados, a entidade tem sido paciente, permitindo que o Estado ponha suas contas em dia.
Foram descartados, entretanto, os boatos de municipalização dos Vapt Vupts e demais órgãos e instituições. O assessor da associação afirmou que as autoridades estaduais conhecem a situação dos municípios, “sabem que as prefeituras vivem no limite do descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e não querem saber de quem é a culpa pelos atrasos nos repasses”. Por isso, lamentou a rejeição da Proposta de Emenda Constitucional n. 1639/18, da deputada Lêda Borges (PSDB).
A proposta rejeitada no dia 16 de abril na Assembleia Legislativa de Goiás visava retirar da porcentagem de gastos de despesas com pessoal o Imposto de Renda Retido na Fonte dos funcionários municipais, da forma como ocorre no Estado. A medida é controversa e já foi citada pela secretária de economia, Cristiane Schmidt, como uma maquiagem tributária para evitar o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
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